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As papas caseiras são seguras?

Esta é a pergunta que muitos pais gostariam de ver devidamente esclarecida, depois da Direção-Geral da Saúde ter emitido um parecer desfavorável no Guia “Alimentação saudável dos 0 aos 6 anos”, publicado em 2019.

O que diz o guia:

  • “A grande maioria das papas “industriais”existentes no mercado português para lactentes já não têm açúcar adicionado, sendo o açúcar referido na sua tabela nutricional resultante apenas do tratamento enzimático dos cereais.”

O que diz a evidência:

 O estudo recente acabado de ser publicado pelo INSA (Dezembro de 2021), Avaliação do perfil nutricional e da rotulagem de alimentos comercializados para crianças até aos 36 meses, em Portugal, concluiu que “47% das Papas infantis têm pelo menos uma fonte de açúcar adicionado na sua formulação”.

O que diz o guia:

  • “As papas de cereais ditas “biológicas” não são enriquecidas em vitaminas ou minerais e as papas caseiras (feitas com mistura livre, não quantificada sob o ponto de vista nutricional, de cereais, com ou sem adição de frutos) não apresentam segurança nutricional, ao não permitir a quantificação dos macro e micronutrientes.”

O que diz a evidência:

A Organização Mundial de Saúde, condena tal afirmação como se pode ler no paper de 2019 “Acabar com a promoção inadequada de alimentos complementares industrializados, para bebés e crianças pequenas”, que passo a citar:

“Insinuar que alimentos industrializados são superiores a preparações caseiras contradiz e prejudica recomendações importantes de saúde pública para este grupo vulnerável (bebés e crianças)”

Também um artigo científico, publicado em 2021, intitulado: “A alimentação caseira e a industrializada são diferentes? Perfil nutricional e de variedade analisados em Espanha.”, conclui que embora não tenham sido encontradas diferenças significativas ou superioridade global de preparações caseiras e vice-versa, salientam a necessidade de estabelecer diretrizes mais claras sobre as preparações caseiras, com quantidades e proporções exatas de todas as fontes alimentares a acrescentar às receitas, a fim de evitar dietas desequilibradas que possam conduzir a futuros riscos para a saúde. Além disso, encorajam a indústria a desenvolver produtos com uma maior variedade de ingredientes.

Também um estudo inglês aponta como principal falha dos produtos industrializados a baixa densidade nutricional e a limitada diversidade de sabor e textura.

Já um estudo Alemão, com o objetivo de comparar preparações caseiras e comercializadas, refere que apesar de alguns produtos comercializados revelarem excesso de sódio, pouca gordura e açúcar adicionado, nenhuma das opções complementares industrializadas e caseiras revelou qualquer insuficiência grave.

Se dúvidas houvesse na segurança das preparações caseiras, o ESPHAN – European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition, sugere que, na prática, o mérito de uma alimentação caseira vs. industrializada depende da qualidade dos alimentos preparados em casa, que são oferecidos ao bebé. “Bem preparados os alimentos feitos em casa podem oferecer a oportunidade de uma maior variedade de sabores e texturas culturalmente apropriados, com maior densidade energética. Existe, no entanto, também o potencial dos alimentos caseiros serem inadequados, por exemplo, com a adição de açúcar ou sal.”

Por último,

O Guia alimentar para crianças pequenas, lançado pelo Ministério da Saúde Brasileiro, em Dezembro de 2019, apenas um mês após o guia da DGS, tem uma posição completamente oposta do Guia Português. Destacando várias razões para que as papinhas industrializadas sejam evitadas:

  • As suas texturas não favorecem o desenvolvimento da mastigação, mesmo havendo diferença de consistência para as diversas idades;
  • São compostas por diferentes alimentos misturados, o que dificulta a percepção dos diferentes sabores;
  • Não favorecem a que a criança se habitue aos temperos da comida da família e com os alimentos da sua região;
  • As vitaminas e minerais dos alimentos in natura são melhor aproveitadas pelo organismo do que as vitaminas e minerais adicionados nessas papinhas.

Concluindo:

 Não existe qualquer evidência científica que diga ou demonstre que as papas caseiras não são seguras.

As papas caseiras, desde que bem preparadas podem oferecer diversas vantagens, sobretudo no que concerne à variedade de sabores e texturas e consideração por fatores culturais e ambientais, respeitando a disponibilidade e sazonalidade alimentar.

 O guia da DGS merece ser revisto e os seus autores deverão abster-se de prestar opiniões pessoais, sem fundamento científico. Tal, para além de não ser profissional, levanta algumas suspeitas do ponto de vista ético.

 Numa população com baixa literacia na leitura de rótulos e com quase 2 milhões de pessoas em risco de pobreza, para além da DGS não ter fundamentado estas alegações, não teve ainda em consideração qual o seu impacto na economia familiar, sobretudo nas rurais e produtoras de alimentos. Caso as preparações caseiras suscitem dúvidas, sugiro que em vez de uma campanha em prol de produtos industrializadas, a DGS implemente políticas que beneficiem a maior literacia de pais e cuidadores na orientação e elaboração das papas e outras preparações caseiras.

As nossas receitas preferidas de papas caseiras:

Papas caseiras de milho e pera

Papas caseiras de maçã e millet

Papas caseiras de arroz, alfarroba e banana

Papas caseiras de batata-doce e banana

Papas caseiras de pera e cherovia

Papas caseiras de legumes e frango na caçarola

 

papas caseiras de maçã e millet

Bibliografia

Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas De Orientação Para Profissionais E Educadores. Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2019.

Matias F. et al. Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Avaliação do perfil nutricional e da rotulagem de alimentos comercializados para crianças até aos 36 meses: um estudo exploratório. 2021

World Health Organization. Ending inappropriate promotion of commercially available complementary foods for infants and young children between 6 and 36 months in Europe. 2019

Bernal M.J. et al. Are Homemade and Commercial Infant Foods Different? A Nutritional Profile and Food Variety Analysis in Spain. Nutrients. 2021 Mar; 13(3): 777.

Garcia et al. Nutritional content of infant commercial weaning foods in the UK. Arch Dis Child. 2013 Oct;98(10):793-7.

A Hilbig , K Foterek , M Kersting , U Alexy . Home-made and commercial complementary meals in German infants: results of the DONALD study. J Hum Nutr Diet. 2015 Dec;28(6):613-22.

Complementary Feeding: A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition.  JPGN 2017;64: 127

Ministério da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos. Brasília – DF: 2019

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