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Já não é a primeira vez que me escrevem, a questionar sobre eventuais alternativas ao leite de vaca.

Uma das últimas mensagens era de uma mamã, com dois filhotes, que acompanha o blog há pouco tempo e por isso questionava se eu era ou não “adepta” do leite de vaca.
Cá em casa somos sobretudo adeptos de uma alimentação mais consciente – respondi. Tal, não significa porém, que sigo uma qualquer dieta ou que eliminei certos alimentos só porque está na moda e, que deles fujo, como o diabo foge da cruz.

Um desses alimentos é sem dúvida o leite de vaca. Hoje em dia falar sobre este alimento é comprar uma guerra e esperar a carta com a data para o linchamento público.

A OMS recomenda que até aos dois anos ou mais, o bebé seja amamentado. Na impossibilidade de tal acontecer, as fórmula infantis são o caminho a seguir. Estas devem ser mantidas pelo menos até aos 12 meses de idade. Altura em que poderá substituir a fórmula por leite de vaca gordo ou meio-gordo.

O leite de vaca tem a desvantagem de não ser enriquecido em vitaminas e minerais, logo não é tão rico em micronutrientes, como a fórmula. Porém é menos processado e só contém açúcar naturalmente presente, ao contrário das fórmulas ou leites de crescimento que muitas vezes possuem açúcar.

Nas crianças vegetarianas, no que diz respeito ao leite e seus substitutos, as directrizes preconizadas são exactamente as mesmas que para as crianças omnívoras. 1,2

É frequente as famílias vegetarianas estritas ou vegans, na ausência de leite materno, optarem por fórmulas infantis com proteína de soja (Visoy ®) pelo que é importante acrescentar que este substituto do leite está previsto e pode ser utilizado em lactentes saudáveis.3-4

Neste momento existe ainda no mercado a Novolac Rice. Esta é uma fórmula 100% vegetal de hidrolisado de proteínas de arroz, indicado desde o nascimento. (Para saber mais sobre como criar uma criança vegetariana saudável e feliz, clique aqui)

As outras alternativas vegetais são vulgarmente conhecidas como “leite de…” soja, arroz, amêndoa, aveia e afins. Tal denominação não só é errada como falaciosa. O mais correcto é mesmo denominá-las de bebidas vegetais, já que, a sua composição é significativamente diferente da do leite, que tecnicamente é um alimento resultante da secreção da glândula mamária das fêmeas dos mamíferos.

Tais bebidas vegetais, fortificadas ou não, são alternativas inapropriadas ao leite materno, fórmula infantil ou ao leite de vaca meio-gordo ou gordo nos primeiros 2 anos de vida.5

É ainda importante referir que, a título de exemplo, quando falamos de bebida de soja, esta de soja tem muito pouco. As versões normais possuem entre 5% a 13% de grãos de soja e a versão light de cada marca ainda menos. 6

Ainda assim, a bebida de soja enriquecida em cálcio é a única capaz de satisfazer as necessidades nutricionais de crianças pequenas. Já as restantes bebidas com outras fontes vegetais: são versões muito diluídas da bebida em si, a um preço que chega a ser quatro vezes superior a um pacote de leite de vaca.

Um exercício que sugiro que façam numa próxima visita ao supermercado é olhar atentamente para os rótulos de muitas destas bebidas. Pois é: água e açúcar (maltodextrinas) nos dois lugares cimeiros. Contudo, em defesa destes produtos também me cabe dizer que cada vez mais surgem opções mais interessantes, pelo que vale a pena perder tempo a ler a informação nutricional.

Então e se fizermos as bebidas vegetais em casa, sem qualquer adição de açúcar? Não existe qualquer problema. Dei algumas vezes “bebida de aveia” e “leite de coco” (a minha bebida vegetal preferida), à Francisca. Principalmente porque, a partir de dada altura, não conseguia extrair, leite materno, com a bomba, para adicionar às papinhas.

No entanto, tinha sempre a consciência que, neste caso o “leite” de coco (fruto), quanto muito substituía a fruta daquela refeição e não o leite, visto estarem longe de serem alimentos equivalentes. Se for este o caso, é importante ter o cuidado de que o aporte diário de leite se mantém invariável.

Ainda, e face a esta tendência crescente de substituir o leite por bebidas vegetais, sendo um tema recorrente em fóruns e grupos de facebook, cabe-me dizer o seguinte:

  • Estudos reportam a existência de carências, sobretudo de cálcio e vitamina D em bebés cujo leite (materno ou fórmula) foi preterido em função do consumo destas bebidas, com consequências muito graves para a criança. 7, 8
  • Algumas preparações/bebidas com soja, apresentam elevada concentração de alumínio e fitatos. Não recomendo por isso que sejam introduzidas antes dos dois anos de idade. (excepto a fórmula acima mencionada: Visoy ®) 8-10
  • A proteína da soja para além de ter menor digestibilidade que a do leite de vaca, não é tão equilibrada no que diz respeito ao seu teor em aminoácidos. 11
  • A soja é, assim como o leite de vaca, um alimento potencialmente alergénico.
  • As bebidas de aveia, amêndoa ou arroz têm muito baixo teor proteico e elevado teor de hidratos de carbono totais e açúcares.
  • Apesar do cálcio adicionado, a estas bebidas, a sua biodisponibilidade (aquilo que o bebé consegue absorver), pode ser afectada pelos antinutrientes presentes na bebida (ex: fitatos). 11
  • Normalmente, o leite de vaca e soja são os gatilhos mais comuns para uma reacção FPIES (FoodProtein Induced Enterocolitis Syndrome). Esta é uma condição clínica, que afecta lactentes e crianças jovens e se traduz numa inflamação intensa e imediata do intestino (enterocolite), causada pelo nosso sistema imunológico, em reacção a determinada proteína alimentar. Contudo, todos os alimentos podem induzir esta reacção, mesmo aqueles que não são normalmente consideradas como alergénicos, como arroz e aveia e respectivas bebidas. 12,13
  • De acordo com o ESPGHAN, a bebida de arroz não deve ser oferecida a bebés e crianças pequenas de modo a reduzir a exposição ao arsénio inorgânico.

Se após tais considerações for a sua vontade, eliminar o leite de vaca da dieta do seu filho, saiba que:

  • Pode substituir o leite materno ou fórmula por bebida de soja enriquecida em cálcio a partir dos 12 meses. Contudo eu recomendado que o faça somente a partir dos 2 anos de idade.
  • O leite de vaca ou equivalentes, tais como iogurte ou queijo, fornece ao seu filho proteínas de elevado valor biológico, cálcio, fósforo e zinco, com elevada biodisponibilidade, com uma excelente relação qualidade/preço.
  • O leite de vaca ou equivalentes, tais como iogurte ou queijo integra as recomendações alimentares e nutricionais ao longo do ciclo de vida, baseadas na evidência científica.
  • Mesmo no caso de situações patológicas, como por exemplo, crianças com APLV (alergia à proteína do leite de vaca), deverão optar, por fórmula infantil, com proteínas extensamente hidrolisadas, fórmulas de aminoácidos, eventualmente fórmulas à base de leite de cabra ou fórmulas vegetais.
  • Os casos de intolerância à lactose são raríssimos em crianças com idade inferior a dois ou três anos. 15 (Ler artigo: O meu bebé é mesmo intolerante à lactose)
  • O leite de vaca têm prós mas também contras, assim como as bebidas vegetais.
  • Leite de vaca e bebidas vegetais são alimentos diferentes, não quer dizer que estas sejam melhores.
  • É possível ir buscar cálcio a outros alimentos que não os latícinios. Sendo esta a sua opção, deverá saber que não existe um único alimento que substitua o leite (excepto os seus derivados, tais como iogurte e queijo) mas sim o somatório de vários outros alimentos, que quando combinados poderão assim suprir os mesmos nutrientes que o leite.
  • O leite, principalmente após a idade pediátrica, não é um alimento essencial mas está muito, muito longe de ser o veneno que o pintam e não podemos ainda ignorar a forte ligação deste alimento com a nossa cultura e raízes.

Como em tudo na vida é importante respeitarmos as liberdades individuais. Porém, é também urgente uma posição mais crítica face ao enorme fenómeno de partilha desenfreada de conteúdos sobre nutrição e alimentação, muitas vezes com qualidade duvidosa ou perniciosa. Sobretudo quando tal pode afectar directamente a saúde dos nossos filhos!

 

  1. American Dietetic Association. Position of The American Dietetic Association: Vegetarian Diets. J Am Diet Assoc 1997; 97: 1317-21. 200.
  2. Messina V, Mangels AR. Considerations in planning vegan diets: children. J Am Diet Assoc 2001; 101: 661-9.
  3. ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostoni C, Axelsson I, Goulet O, Koletzko B, Michaelsen KF, Puntis J, et al. Soy Protein infant formulae and follow-on formulae: commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2006; 42: 352-61. 185.
  4. Koletzko B, Baker S, Cleghorn G, Neto UF, Gopolan S, Hernell O, et al. Global Standard for the Composition of Infant Formula: Recommendations of an ESPGHAN Coordinated International Expert Group. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2005; 41: 584-99.
  5. American Dietetic Association; Dietitians of Canada. Position of the American Dietetic Association and Dietitians of Canada: Vegetarian diets. J Am Diet Assoc 2003; 103: 748-65.
  6. Alpro Bebida de Soja Crescimento (ver ingredientes)
  7. Severe nutritional deficiencies in toddlers resulting from health food milk alternatives
  8. Nutritional deficits resulting from an almond-based diet
  9. Setchell K. Exposure of Infants to phytoestrogens from soy infant formulas. Lancet 1997; 350: 23-77. 189.
  10. Setchell, K. Phytoestrogens: the biochemistry, physiology and implications for human health of soy isoflavonas. Am J Clin Nutr 1998;68: Suppl 6:1333S-46S. 190.
  11. Irvine C. The potential adverse effects of soybean phytoestrogens in infant feeding. NZ Medicine Journal 1995; 108: 208-9.8 – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3667091/
  12. Alimentacao e Nutricao do Lactente – Acta Pediátrica
  13. Food protein induced enterocolitis syndrome caused by rice beverage
  14. Comer com saber no primeiro ano de vida: Direcção-Geral da Saúde
  15.  Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents

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48 Comments

  • Ana diz:

    1. Líquido segregado pelas tetas das fêmeas dos mamíferos (ex.: leite de cabra, leite de vaca).Ver imagem
    2. [Botânica] Suco lácteo de certas plantas.
    3. Líquido esbranquiçado ou semelhante ao leite (ex.: leite de soja).

    “leite”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/leite [consultado em 13-04-2017].

    • Sandra Santos diz:

      Olá Ana! Infelizmente ou não (em prol de uma maior qualidade do serviço prestado), enquanto profissional de saúde as minhas referências bibliográficas não são o priberam. 🙂
      As diferentes designações lácteas encontram-se devidamente regulamentadas, quer por legislação comunitária (Reg. (CE) n.º 1898/87, do Conselho, relativo à protecção da denominação do leite e dos produtos lácteos aquando da sua comercialização, revogado pelo Reg. (CE) n.º 1234/2007, do Conselho, de 22 de Outubro – OCM Única, aplicável a partir de 1 de Julho de 2008), quer por legislação nacional (Portaria n.º 742/92, de 24 de Julho) no caso do iogurte e dos leites fermentados. A estas peças legislativas podemos acrescentar as de origem normativa, de carácter voluntário, com especial destaque para as elaboradas pelo Codex Alimentarius, a norma geral de termos lácteos e uma série de normas de produtos lácteos, que pela sua natureza se revestem de especial interesse no contexto do comércio internacional, no seio dos acordos da Organização Mundial do Comércio, por definirem as especificações que os produtos devem respeitar em caso de litígio comercial. O objectivo principal destes documentos e das definições aí incluídas é a correcta utilização dos nomes e termos comummente reconhecidos e destinados ao leite e aos produtos lácteos, de forma a proteger o consumidor de práticas de rotulagem e publicidade enganosas e assegurar práticas comerciais justas. As designações estabelecidas legalmente para os produtos lácteos, não podem ser utilizadas para qualquer produto que não o seja, estando as excepções devidamente consagradas, como é o caso de nomes tradicionais e que pela prática de tempo decorrido se aceitam, desde que a verdadeira natureza do produto seja clara para o consumidor ou quando o nome é utilizado para descrever uma qualidade específica do produto. As excepções para Portugal são: Leite de coco, Manteiga de cacau, Manteiga de amendoim, Queijo doce de Tomar, Queijinho de sal. Beijinhos

  • Raquel diz:

    Esqueceu-se de uma graaaaande vantagem das bebidas vegetais: estão isentas de crueldade, não estão associadas a uma indústria verdadeiramente atroz que vinga com as repetidas violações de vacas cujos bebés lhes são roubados assim que nascem para que nós possamos beber o leite que naturalmente seria deles, até o corpo delas não aguentar mais a tortura e serem enviadas então para a matança. Esqueceu-se de uma desvantagem do leite de vaca: é acidificante, está mais que provado que países onde o consumo de lacticínios é maior têm uma taxa bem maior de pessoas com OSTEOPOROSE. Este artigo é, no mínimo, tendencioso!

    • Inês diz:

      Olá Raquel. Toda a actividade humana está carregada de crueldade e esta não se verifica apenas no modo de tratar o gado. Se pensar bem, como é que acha que são produzidos os produtos que dão origem às bebidas vegetais, nomeadamente a soja (maioritariamente transgênica)? Acha que nestas produções em massa o habitat é protegido? Quantas espécies de animais selvagens não serão sacrificadas para produzir estes produtos? Ou se lhe ocorre a crueldade animal quando se trata de animais ditos domésticos? Se pensar assim, é melhor não comer nem beber nada…

    • Thaily diz:

      Cerca de 80% das terras cultivadas são para plantação de soja. E cerca de 90% dessa soja vai para alimentar o gado. Se informe um pouco mais , antes de vir com esse comentário “preguiçoso”. Não é só porquê não podemos fazer tudo, que temos que ficar sem fazer nada. O leite da vaca é para os bezerros.

  • Silvia diz:

    Olá, penso que falta muita informação sem “negócio”. É difícil saber quando nos estão a dar informação sem ser com os lobis das grandes empresas.
    A minha filha não bebe leite de vaca, tem 28meses. Desde q deixou o leite esteve mto menos vezes doente. Passava a vida c problemas de nariz e agora nada!!!! Já não produz tanto muco. Eu tb deixei e a verdade é que me sinto melhor a esse nível e a nível intestinal tb.
    Continuanos a consumir iogurtes, queijo e natas.
    Parabéns pelo blog. Beijinhos

    • Sandra Santos diz:

      Olá Sílvia! Como não trabalho para nenhuma empresa ou marca, tenho total liberdade para fundamentar os meus artigos somente em informação científica 🙂
      Os sinais e sintomas de APLV (Alergia às Proteínas do Leite de Vaca), podem envolver diferentes sistemas, nomeadamente o sistema respiratório. Contudo, de modo a evitar situações de sobre ou subdiagnóstico, é extremamente importante que se faça um diagnóstico correcto, baseado em provas de provocação oral. Em todo o caso, a sua filhota, acaba por consumir alimentos feitos a partir do leite de vaca, tais como iogurte e queijo, logo as proteínas, que eventualmente pudessem causar tal sintomatologia estão igualmente presentes. Mas é como lhe digo, para sabermos se existe alguma relação desse muco com o consumo de leite, só através de uma prática clínica e exames adequados. Contudo, o mais importante é que ambas se sentem bem e em boa verdade, sobretudo o iogurte, na minha opinião até é um alimento mais interessante que o leite, com efeito pré e probiótico e manifestas vantagens ao nível intestinal e não só. beijinhos

  • Zita Soares diz:

    Sandra, é a primeira vez que leio algo que redigiu e, mesmo sendo um texto equilibrado e aparentemente bem fundamentado (não sou ninguém para verificar as referências bibliográficas que indica), não deixo de pensar no inferno que é a realidade da indústria do leite. Para as vacas, para os bezerros, para o ambiente, enfim… é de uma brutalidade incrível e incomensurável para com a espécie (neste caso, os bovinos) e, acredito no fundo, para a própria maternidade. Não quero comprar guerras, mas precisava deste desabafo após a leitura. Obrigada.

    • Sandra Santos diz:

      Olá Zita! Se por razões éticas, morais, religiosas, ambientais entre outras não quer dar leite de vaca ao seu bebé, sugiro, tal como menciono no artigo, a fórmula à base de proteína de soja: Visoy. Este alternativa ao leite materno e às fórmulas convencionais está prevista e pode ser usada em lactentes saudáveis, ao contrário das bebidas vegetais que não são uma alternativa segura, para bebés e crianças. beijinhos

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