Skip to main content

“O meu filho não quer comer. Ele não come praticamente nada. Só leite e às vezes a papa ou arroz. Aconselharam-me a dar-lhe o almoço e se ele não o comer para lho oferecer ao lanche e se ele não o comer para lho dar ao jantar e assim sucessivamente.”

São muitos os pais desesperados que me chegam ao consultório, sem saberem qual a melhor estratégia a abordar com os seus filhos que, para além de não apresentarem muito apetite, são extremamente exigentes e criteriosos na seleção dos alimentos que consomem. São os meus “picky eaters” (termo que tende a ser ultrapassado) ou pequenotes esquisitinhos, como carinhosamente gosto de os apelidar.

Para melhor percebermos o que está na origem do suposto problema é fundamental entendermos determinados conceitos:

neofobia alimentar, ou seja a relutância em aceitar novos sabores, acontece ou acentua-se a partir do 1º ano de vida e predomina especialmente entre os 2-6 anos. Ora, é exactamente nesta fase do seu crescimento que a criança começa a deambular e a ficar mais exposta a possíveis alimentos tóxicos no seu meio ambiente. Se olharmos para os nossos antepassados facilmente inferimos que, tal característica hereditária “de medo ou rejeição em experimentar novos alimentos” poderá ter trazido claras vantagens do ponto de vista evolutivo, desempenhando um papel determinante, enquanto mecanismo de protecção e sobrevivência da criança e, consequentemente da espécie humana.

Sabendo que as crianças apresentam diferentes graus de neofobia, estarão os meus esquisitinhos condenados pelos seus genes a uma dieta monótona com os riscos que isso significa para o futuro?

A resposta é não, porque podem contrariar-se os mecanismos inatos de preferência alimentar, através da experiência precoce, da familiarização com o sabor e da variedade alimentar.

Sabemos que a experiência de novos sabores começa ainda na barriguinha da mãe e que depois se extende ao leite materno conferindo ao lactente amamentado uma maior capacidade para se adaptar à diversificação alimentar, nomeadamente a sabores de frutos e vegetais, desde que as mães os consumam enquanto amamentam.
A alimentação complementar assume um papel igualmente determinante na capacidade do bebé aceitar novos sabores, principalmente se amargos ou ácidos (vegetais e frutas), que vai aumentando gradualmente à medida que este se vai familiarizando com esse sabor e muitas vezes são precisas em média 11 tentativas para finalmente ter sucesso, pelo que se deve encorajar a persistência na oferta alimentar.

“Se não gosta não ofereço e só lhe apresento o que sei que ele gosta”: ESQUEÇAM! Tal não funciona para a aquisição de uma paleta mais variada de alimentos. Obviamente que a ideia também não é (de TODO) seguir o modelo: dar ao lanche o mesmo que não comeu ao almoço e assim sucessivamente, como o acima sugerido. O ideal é dar hoje o alimento e se a criança não comer, tudo bem, amanhã ou depois há mais (nova tentativa), sem stress, pressões, ameaças, autoritarismos ou como forma de castigos ou recompensa, que de resto, na maioria das vezes a criança nem tem maturidade para perceber a causa-efeito.

Para além disso, há que haver espaço para alguma flexibilidade por parte dos pais, que, dentro do bom senso, devem permitir e respeitar determinadas preferências alimentares.

Aliado à repetição é de extrema importância a variedade da oferta. É interessante verificar como estas estratégias aparentemente antagónicas funcionam igualmente bem e eu defendo que devem por isso ser usadas em simultâneo.

É ainda de salientar que estas estratégias apresentam maior sucesso para alimentos como os vegetais e a fruta, que curiosamente são os que merecem um maior investimento já que as crianças neofóbicas são-no preferencialmente para alimentos como a carne, vegetais ou frutas e menos para alimentos doces ou ricos em gordura.

Estes aspectos são tanto mais importantes quanto se sabe que a janela para a habituação aos sabores é estreita, começando a fechar-se pelos 2 anos e encerrando aos 3 anos, ou seja uma criança com um portfolio alimentar reduzido pelos 3 anos, vai manter essa monotonia alimentar até à adolescência, consumindo geralmente uma dieta rica em calorias mas pobre em nutrientes.

Então mas o meu filho não quer comer, não consigo fazer o tempo voltar atrás e além disso o problema sempre persistiu, estando pior agora. Para além da rejeição pelo novo, parece só querer comer os seus alimentos favoritos, o que posso fazer?

  • Seja muito paciente em relação à comida, a sua ansiedade vai influenciar negativamente a relação da criança com os alimentos.
  • Os pais devem escolher alimentos nutritivos e apelativos em termos de textura e sabor, além de fornecer refeições e lanches estruturados mas, devem permitir que seja a criança a decidir quanto e o que comer. Embora a ingestão de alimentos possa flutuar consideravelmente de um dia para o outro nas crianças, na grande maioria das vezes elas são capazes de manter um crescimento estável.
  • Nunca force a criança a comer, evite ao máximo qualquer tipo de zanga ou conflito.
  • Inicialmente, as porções deverão ser relativamente pequenas de cada alimento nas refeições. Ofereça uma colher de sopa, de cada alimento, por ano de idade da criança e sirva mais comida de acordo com o seu apetite. Se a criança terminar tudo o que tem no prato, mais pode ser adicionado.
  • Os lanches funcionam melhor entre as refeições principais e não como forma de compensar o que não comeu ao almoço ou jantar. Não devem ser oferecidos se o tempo ou a quantidade de lanches interferirem no apetite da criança para a próxima refeição.
  • Não permita que a criança beba uma quantidade excessiva de leite ou sumo ao lanche; Tal levará a que ela coma menos na hora das refeições.
  • Estimule a criança a fazer exercício ou brincadeiras com maior dispêndio energético, facilmente conseguido numa ida ao parque infantil. No entanto, eles são menos propensos a comer bem quando estão cansados ​​ou superestimulados. Aprenda a reconhecer os diferentes sinais.
  • Um aviso de 10 a 15 minutos antes de qualquer refeição ajuda as crianças a se prepararem e se aquietarem antes de comer.
  • As crianças não devem ser coagidas ou mesmo persuadidas a comer. Subornos, ameaças ou punições não têm papel na alimentação saudável.
  • Estabeleça um limite máximo de cerca de 20 minutos para o tempo de permanência da criança à mesa. Quando o horário das refeições termina, todos os alimentos devem ser removidos.
  • Lembre-se que distrações como brinquedos, livros ou televisão na mesa não devem ser permitidas durante as refeições.
  • Os pais devem insistir apenas nos modos à mesa que sejam apropriados à idade e ao estágio da criança.
  • As refeições devem ser agradáveis ​​em família. Os pais devem tentar não tornar a disciplina um problema na hora das refeições. Uma criança que está a chorar ou chateada é pouco provável que vá comer bem.
  • Comer com a família proporciona à criança uma experiência social prazerosa e a oportunidade de aprender por imitação. As crianças valorizam a companhia dos familiares e dependem de sua presença para se relacionarem bem com os alimentos. As famílias devem comer juntas sempre que possível já que, quanto maior o número de pessoas à volta da criança consumirem o alimento, maior a sua vontade em o provar.
  • Os estimulantes do apetite, geralmente não são indicados para a recusa isolada de alimentos e nunca devem ser considerados apenas para aliviar a ansiedade dos pais. Suplementos vitamínicos ou minerais podem ser usados ​​se a qualidade da dieta for questionável mas só quando aconselhados por um profissional de saúde qualificado.
  • Não se esqueça que a diminuição do apetite é normal em crianças de dois a cinco anos de idade e que o consumo de alimentos diminui, uma vez que a taxa de crescimento é agora mais lenta, tal como descrevo no artigo: Comia tão bem e agora é isto…
  • Para mim, comer é uma forma da criança se relacionar com o Mundo. Ao criar pratos que vão ao encontro do seu universo, com formas divertidas aumentará o seu interesse. (ver imagem 1)
  • Envolva a criança no processo de confeção dos alimentos.
  • Use o exemplo dos seus super heróis, sejam eles a “Porquinha Peppa”, o “Ruca” ou o Ronaldo.
  • Conte histórias fantásticas à volta de determinado alimento. No outro dia, disse à Francisca que a cenoura e o feijão verde queriam ir a uma festa na barriguinha dela. Achou a maior graça. Imaginámos a música e dentro de pouco tempo estávamos as duas numa espécie de dança do ventre muito trapalhona mas com muitas gargalhadas à mistura!

When the joy goes out of eating, nutrition suffers!

o meu filho não quer comer

imagem 1 – pratos divertidos

Nota: As recomendações presentes neste documento são genéricas. Circunstâncias individuais podem exigir outros tratamentos ou procedimentos a seguir.

Gostou deste artigo? Espreite estes…

Gostou deste artigo?

Espreite estes…

  1. healthcanada.gc.ca/foodguide
  2. Leung A. The “picky eater”: the toddler or preschooler who does not eat. Paediatr Child Health. 2012 Oct; 17(8): 455–457.
  3. Satter E. The feeding relationship: Problems and interventions. J Pediatr. 1990;117(2 Pt 2):S181–9.[PubMed]
  4. Leung AK, Robson WL. The toddler who does not eat. Am Fam Physician. 1994;49(8):1789–800.[PubMed]
  5. Satter E. Feeding dynamics: Helping children to eat well. J Pediatr Health Care. 1995;9(4):178–84.[PubMed]
  6. Skuse D. Identification and management of problem eaters. Arch Dis Child. 1993;69(5):604–8.[PMC free article][PubMed]
  7. Birch LL, Marlin DW, Rotter J. Eating as the “means” activity in a contingency: Effects on young children’s food preference. Child Dev. 1984;55(2):431–9.
  8. Shea S, Stein AD, Basch CE, Contento IR, Zybert P. Variability and self-regulation of energy intake in young children in their everyday environment. Pediatrics. 1992;90(4):542–46. [PubMed]
  9. Gottesman MM. Helping toddlers eat well. J Pediatr Health Care. 2002;16(2):92–6. [PubMed]
  10. Finney JW. Preventing common feeding problems in infants and young children. Pediatr Clin North Am.1986;33(4):775–88. [PubMed]
  11. Douglas J. ‘Why won’t my toddler eat’? Practitioner. 1998;242(1588):516, 520–2. [PubMed]
  12. M. Dovey et al. / Appetite 50 (2008) 181–193
  13. Menella JA, Jagnow CP, Beauchamp GK. Prenatal and postnatal flavor learning by human infants. Pediatrics 2001; 107: e88
  14. X Allirat. Involving children in cooking activities: a potential strategy for directing food choices toward novel foods containing vegetables. Appetite 2016 Aug 1; 103:275-85.
  15. Maier A. Food- related sensory experience from birth throught weaning contrasted patterns in two nearby european regions. Appetite, 2007 Sep; 49 (2): 429-40.

10 Comments

  • Maria João Azevedo diz:

    Olá Sandra,

    Adoro o seu blog e é onde me tenho inspirado para fazer receitas diferentes para a minha bebé de 9 meses.
    Acontece que ela nunca gostou muito de comer, mamou em exclusivo até quase aos 6 meses de idade. Desde então tem sido uma guerra diária para que ela coma, nunca come tudo e há vezes que não come nada. Recomendado pelo pediatra ela deveria comer cerca de 180g de sopa mas isso nunca aconteceu, às vezes nem metade come. Estou um pouco desesperada, ela nasceu muito grande com 4020g e 58cm sempre aumentou bem de peso enquanto só mamou, desde a introdução alimentar que o peso tem vindo a aumentar muito mais devagar, mês passado aumentou 300g. Neste momento está com 9.5kg e 78cm.
    Por ela só mamava e não comia, por isso tento evitar dar-lhe mama durante o dia, apenas só de manhã e à noite mas nem assim ela come. O que me aconselha a fazer? Devo estar preocupada?

Deixe um comentário