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No outro dia, num post no facebook, uma mamã pedia ajuda para sugestões de papas e bolachinhas sem lactose para o seu bebé de 6 meses com intolerância à lactose. Seguiram-se alguns comentários, alguns dos quais pela empatia que sentiram, visto também terem bebés com o mesmo problema: intolerância à lactose.

Confesso que fiquei intrigada, sabia de antemão que esta situação é extremamente rara em bebés, já que a lactose é um açúcar simples, encontrado exclusivamente no leite de mamíferos e obviamente o leite humano não é exceção. Assim, se a intolerância à lactose fosse frequente em bebés, seria completamente contranatura e teria posto em causa a preservação da espécie humana, já que em teoria, antes do séc. XX e do aparecimento das fórmulas infantis sem lactose, não seria expectável que estes lactentes sobrevivessem. (1)
Decidi por isso investigar um pouco mais a fundo, não estivesse alguma coisa a escapar-me.
Existem diferentes tipos de intolerância à lactose em bebés, são elas:

– Deficiência congénita de lactase – anomalia genética grave e extremamente rara. (2, 3) Por norma é detectada poucos dias após o nascimento do bebé, que apresenta sinais de desidratação e malabsorção, comprometendo o desenvolvimento e ganho de peso do bebé e consequentemente a sua própria vida, caso não ocorra uma intervenção clínica atempada.(1) Caracteriza-se pelas baixas concentrações, ou mesmo inexistentes, da enzima lactase, responsável pela digestão da lactose em glicose e galactose. Quando tal não acontece, não é possível a absorção da lactose. (4-6)

– Galactosemia – é outra anomalia genética igualmente rara e grave(7) , que afecta a metabolização da galactose, um monossacárido, resultante da degradação da lactose, estando assim indiretamente relacionado com a intolerância à lactose e podendo apresentar diferentes graus de severidade. (8)

Na primeira situação e em muitos dos casos de galactosemia o bebé não poderá ser amamentado, tendo que se proceder à substituição do leite materno, devendo-se recorrer a fórmulas infantis sem lactose.(9)

Alguns bebés prematuros, podem ainda apresentar dificuldade em digerir a lactose já que até às 34 semanas de gestação o seu tracto gastrointestinal é ainda demasiado imaturo apresentado défice de lactase(1). No entanto, a situação resolve-se por si mesma, não existindo qualquer efeito deletério do leite materno ou mesmo das fórmulas com lactose, a longo prazo.(10)

Contudo, também há bebés saudáveis e de termo, que sofrem de intolerância à lactose apenas temporariamente. Geralmente aparece alguns dias após o nascimento e desaparece nos primeiros meses de vida, o mais tardar assim que o trato intestinal amadurece um pouco mais.

Para além destas situações podem ainda verificar-se casos de intolerância secundária à lactose, ocorrendo quando há uma situação patológica, nomeadamente uma infecção, uma alergia ou um quadro inflamatório que danifica as vilosidades intestinais, diminuindo a actividade da enzima lactase. É uma situação relativamente frequente no lactente, por exemplo no contexto de uma gastroenterite. Nestes casos, lactentes e crianças saudáveis, apenas precisam de tratamento nutricional intensivo, não necessitando de fórmulas sem lactose(11,12), já que mesmo em casos mais graves, é possível a digestão e absorção de pequenas quantidades de lactose.(13) Esta é ainda uma situação transitória, já que resolvendo a causa, isto é, tratando a doença que provocou o transtorno, a situação de intolerância ficará também resolvida. (1)

É certo que cerca de 70% da população mundial é intolerante à lactose(14,15), pela diminuição da produção da enzima lactase, à medida que crescemos, mas é extremamente incomum que tal aconteça em crianças com idade inferior a 2 ou 3 anos. (1)

Ainda, a lactose desempenha um papel importante na absorção do cálcio, na actividade da microflora (efeito prebiótico que se repercute na consistência das fezes e na absorção de água, sódio e cálcio) e na formação de galactocerebrosídeos.(9)

Ainda questionei a mamã que pediu as sugestões de receitas sem lactose sobre o motivo do seu post, ao que ela respondeu que, numa ida ao hospital, face às queixas de obstipação e cólicas, por parte do bebé, o pediatra tinha dado tal diagnóstico.

Face ao exposto, torna-se importante alertar os pais para o facto de a evicção total e prolongada da lactose da dieta ser questionável, pelo que, a ocorrer, deve ser fortemente suportada pela clínica. (9)

  1. Lactose Intolerance in Infants, Children, and Adolescents
  2. Congenital lactase deficiency
  3. Congenital lactase deficiency: a clinical study on 16 patients
  4. Complete deficiency of brush-border lactase in congenital lactose malabsorption
  5. Protein patterns of brush border fragments in congenital lactose malabsorption and in specific hypolactasia of the adult
  6. www.breastfeeding.asn.au
  7. Developmental patterns of small intestinal enterokinase and disaccharidase activities in the human fetus
  8. Classical galactosaemia revisited
  9. Leites e Fórmulas Infantis: a realidade portuguesa revisitada em 2012
  10. Absorption of lactose, glucose polymers, or combination in premature infants
  11. Evidence-based guidelines for the management of gastroenteritis in children in Europe: executive summary
  12. Management of acute gastroenteritis in Europe and the impact of the new recommendations: a multicentre study
  13. Lactose intolerance in infants, children and adolescents
  14. Lactose and lactase: a historical perspective
  15. On the homology between human development and pediatrics

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13 Comments

  • Antonio diz:

    AO longo do tempo vi surgirem várias modas.
    Sim serão muito mais modas do que conceitos baseados num conhecimento sólido e abrangente ao mesmo tempo que especializado sobre variados temas.
    Já tivemos pulseiras magnéticas e o mais variado tipo de pedras e amuletos que curam.
    Já foi considerado que fumar faz bem à saúde, até passavam anúncios na TV.
    Persistem atrocidades como o CROSS FIT e até o BTT nas disciplinas para manter o corpo em boa forma.
    CARECEMOS DE GENTE COM VISIBILIDADE MEDIÁTICA E CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E PRÁTICA para demolir mitos.
    A mitologia nunca esteve tão forte desde a antiga Grécia.
    Até existem presidentes de nações que se comportam como se os vírus não existissem e causassem a morte de humanos indefesos.
    Foi uma surpresa agradável, daquelas que nos fazem sentir que não estamos sós, saber que SANDRA SANTOS existe.
    Conheço idoso que já deveriam exibir dificuldades perante a lactose que beme litradas de leite e comem queijo desalmadamente.

    Só uma rara ou pequena proporção da população é intolerante À lactose.
    Todos, provavelmente todos ou quase todos perderão capacidades de lidar com a lactose, devido ao menos fabrico natural da enzima que a degrada, mas sem que isso se revele uma intolerÂncia com peso suficiente para ser considerado uma doença.

    Também perdemos capacidade em perceber os sabores, também perdemos a visão ao perto, e muitas outras perdas ocorrem com o envelhecimento, mas isso não faz de nós intolerantes nem doentes.

    Doentes ficaremos precocemente se deixarmos de ingerir cálcio e fabricar vitamina D que faz acontecer a osteoporose.
    Isso sim, um verdadeiro mal universal que só poderemos atrasar em cada um de nós.
    Dizem que a lactose até poderá ser importante na fixação do cálcio nos ossos.
    Isso sim deve merecer a nossa atenção.

  • Cátia diz:

    Olá, a minha filha é um dos casos raros de Intolerância Congénita à Lactose. Tinha todos os sintomas descritos no seu artigo. Tivemos a certeza após numa clínica privada ter feito uma recolha de ADN. Quando descobrimos deixei de amamentar. Passou a beber o Nutramigene, pois também não se deu ben com leites sem lactose em pó. Não me senti apoiada por médicos e enfermeiros do público quanto ao tratamento para secar o peito e informação sobre alimentação da menina. Gostaria de saber qual o organismo ou associações mundiais que apoiam ou estudam este tema. Obrigada e parabéns pelo Blog. Cátia

  • Bruna diz:

    Peço desculpas, esqueci de mencionar algo muito importante: amei imensamente seu blog!!! Parabéns e sucesso!!! E, acima de tudo, obrigada por ajudar outras mamás!!!

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