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Tinha a Francisca pouco mais de quatro meses e logo começaram a perguntar-me se ela já estava a comer a papinha de cereais ou sopa. Quando respondia que não, notava logo aquele ar entre o desconfiado e o julgamento implícito: “a Clarinha é mais nova e já come e o neto da Mariazinha também!”
De bom grado lá encetava um discurso que julgava esclarecedor: a Organização Mundial de Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até ao sexto mês de vida, altura em que se torna imperativo a introdução de novos alimentos já que o leite deixa de suprir todos os nutrientes necessários ao bebé. 1,2
“Então e o que é que a pediatra diz disso?”; Hum… ok, este era o momento em que deveria ter percebido que era melhor calar-me mas como sou uma chata lá continuei: a evidência científica – “ui… lá vem esta com a ciência”, pareceu-me ter ouvido baixinho – mostra o potencial para a redução da mortalidade e morbilidade infantil com o prolongamento exclusivo da amamentação até aos seis meses de vida. 3,4,5
“Pois, mas afinal quando é que voltas à pediatra para ver o que ela diz?”
Apesar de ser uma recomendação noutros países e muitos profissionais de saúde em Portugal orientarem a diversificação alimentar para que comece logo aos quatro meses, na minha opinião tal não deve ser uma prática, já que a maior parte dos bebés não tem nenhuma vantagem em iniciar a alimentação complementar muito antes do sexto mês. 6
Na realidade, é por volta desta idade que a maioria dos lactentes está preparado, em termos de desenvolvimento e maturação, para aceitar outro tipo de alimentos, quer a nível fisiológico, quer motor, neurológico e cognitivo. 7
Não obstante tais considerações, os seis meses  são apenas um marco indicativo e uma vez que cada bebé é único, devemos ter em conta o que o seu desenvolvimento e comportamento nos diz sobre as suas reais necessidades.
Curioso, que quando desabafava com a Elisabete Catarino, minha amiga e nutricionista, sobre alguns destes incidentes, ela disse algo que tem tanto de óbvio como surpreendente: “Nós somos como os animaizinhos, quando chegar a altura ela vai começar a procurar”.
Se aos quatro meses a Francisca não ligava nenhuma ao que nós comíamos, a verdade é que aos poucos isso começou a mudar; passadas duas semanas começou a revelar algum interesse e por volta dos cinco meses já se atirava para agarrar tudo o que estivesse ao seu alcance, fosse um copo de água, um pão, uma banana ou a chávena de café do pai: muito emancipada a rapariga!
Acabámos por dar-lhe o primeiro puré uma semana e tal antes de completar os seis meses, tal era o seu olhar de suricata toda espevitada e curiosa: “Mas que raio metem eles à boca? Aquilo não me dão eles… Grrrrr!! Será que não percebem que estou farta da girafa Sofia?”
Com tanto interesse antevimos que iria adorar comer e não nos enganámos, valeu a pena a espera.
Afinal, se a filha da Mariazinha já come, bom para ela, cada um sabe de si, os pediatras sabem de todos mas da minha filha cuido eu!

Fontes:

  1. Guiding Principles for the Complementary Feeding of the Breastfed Child
  2. Complementary Feeding: A Commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition
  3. Diversificação Alimentar no Primeiro ano de Vida (Acta Médica Portuguesa)
  4. Is 6 months still the best for exclusive breastfeeding and introduction of solids? A literature review with consideration to the risk of the development of allergies.
  5. Guiding Principles for Feeding Non-breastfed Children 6-24 Months of Age, World Health Organization Department of Child and Adolescent
  6. Manual de Orientação (Departamento de Nutrologia)
  7. Alimentação e Nutrição do Lactente (Acta Pediátrica Portuguesa)

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13 Comments

  • Pinto diz:

    Olá! Nós por aqui amamentamos em exclusivo tb até aos 6 meses. Estamos ag a iniciar as sopas mas o meu rapaz n mostra interesse na comida! apenas se mostra curioso se estiver ao meu colo e a comida for sólida, tipo uma banana ou um pão! Alguma dica para lhe causar interesse? Do mais velho caí no erro de lhe forçar a comida e hoje ele detesta comer! Não quero errar novamente!!

    obg, beijinho

    • Sandra Santos diz:

      Olá! Pode sempre tentar o método BLW e paralelamente ir oferecendo também a sopa. Beijinhos, Sandra

  • Ana Rita Picado diz:

    Boa tarde! Revejo me completamente neste seu texto. O meu bebé faz 5meses dia 29 é tenho sido bombardeada com essa pressão. Mas últimas semanas têm sido noites muito difíceis e inquietas e o que descreve sobre os olhares sobre a nossa comida já noto isso nele tambem…pelo que decidi iniciar a papa entretanto. Queria começar por arroz integral e seguido milho e aveia… Queria perguntar lhe qual a sua opinião e se acha que devo oferecer o cereal simples ou combinar já com uma fruta? Grata

    • Sandra Santos diz:

      Olá Rita!
      Se ele ainda não comeu mais nada, aconselho a fazer o cereal simples. Mas cada caso é um caso e deve ser avaliado como tal, isto é, de forma personalizada.
      Beijinhos,
      Sandra

  • Sara diz:

    O meu bebé tem esta perto de fazer 4meses e já algum tempo ando a tentar investigar como fazer relativamente a esta situação da introdução alimentar. Concordo plenamente com o que disse e fico contente de cada vez mais haver mais mães a pensarem desta forma que acho ser a mais correcta. Tendo em conta que infelizmente a legislação portuguesa não esta de acordo com as recomendações da OMS, se não teríamos com certeza um aumento do tempo da licença de maternidade, e que na maioria dos casos os bebés terão de ir para o colégio, também estes na sua maioria padronizados a que os bebés comem sopa a partir dos 4 meses, até porque para eles é com certeza mais fácil. Como deverei agir? Dar a sopa a partir dos 4 meses porque terei de ir trabalhar quando tiver 5 meses? Ou continuar apenas, como tem sido até agora, apenas com leite materno? Oferece o leite materno em biberão? Do qual tenho algum receio porque pode provocar o desmame, que é longe o meu interesse. Haverá alguma forma realmente eficaz de dar leite materno sem ser em biberão? Ando numa pesquisa exaustiva. Desde já agradeço estes posts que faz que ajudam qualquer mãe.

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