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Devemos demolhar os cereais e leguminosas?

Demolhar é uma prática tradicional nas cozinhas portuguesas, remontando ao tempo em que não havia por exemplo feijões e grãos em conserva. Mas quais são as razões que justificam o processo de demolha de grão de cereais, sementes e leguminosas?

Frequentemente ouvimos falar em nutrientes mas certamente a maioria de vocês não está tão familiarizada com o que são antinutrientes.

As sementes das plantas encontram-se num estado de latência e só se desenvolvem e germinam nas condições ideais, como tal precisam de mecanismos de defesa que mantenham as suas propriedades intactas até ao momento da germinação. E é essencialmente esse o papel de vários inibidores de enzimas, substâncias tóxicas e de antinutrientes como oxalatos, taninos, nitritos e fitatos (ou ácido fítico), entre outros, presentes nos grãos de cereais integrais, sementes, leguminosas e também em alguns legumes.

Estes antinutrientes, como por exemplo os oxalatos e o ác. fítico estão ligados a determinados micronutrientes como por exemplo o cálcio, zinco ou ferro e impedem que os consigamos absorver, uma vez que não possuímos enzima capazes de quebrar essas ligações.

Quando demolhamos, a semente entra em contacto com a água e desta forma imitamos o processo que acontece na natureza, quando chove e começa a germinação, desencadeando a ativação de diversas enzimas endógenas.

Através da ativação destas enzimas, foi reportado em diversos estudos que, uma quantidade significativa de ácido fítico nos grãos é removida, libertando micronutrientes como o zinco e o ferro, bem como proteínas, vitaminas e outros minerais e aumentando a sua biodisponibilidade, ou seja, a capacidade que temos de os absorver.

De uma forma muito simplista, digamos que as enzimas da planta iniciam e facilitam o nosso processo de digestão e assim, quando ingerimos o alimento conseguimos aproveitar melhor todos os seus nutrientes.

Importa referir ainda, que a cozedura também diminui a quantidade destes antinutrientes, por isso demolhar e cozer são ótimas estratégias para amplificar a biodisponibilidade de muitos nutrientes e dele retirarmos maior proveito, o que é particularmente importante em certas fases do ciclo de vida, nomeadamente quando falamos de bebés e crianças.

Resumindo, as vantagens de demolhar são:

  • Aumentar a biodisponibilidade de vários micronutrientes;
  • Melhorar o processo de digestão desse alimento;
  • Melhorar o sabor do alimento, diminuindo sobretudo a sua possível amargura e adstringência;
  • Diminuir o tempo de cozedura.

Os antinutrientes, como por exemplo os fitatos são prejudiciais à saúde?

Por um lado, a malnutrição por carência de certos micronutrientes afeta mais de metade da população mundial, particularmente nos países em vias desenvolvimento. As deficiências de ferro, zinco e vitamina A são os mais graves.

Nestes países, cereais e leguminosas não refinados são as principais fontes alimentares. Assim, a melhoria do valor nutricional deste tipo de alimentos irá melhorar o estado nutricional de toda a população.

Por outro lado, não precisamos, nem conseguimos eliminar totalmente os fitatos e não faz mal!

Aliás, eles não devem ser vistos como vilões, até porque também têm um lado positivo,  desempenhando um papel na proteção do sistema imunitário, funcionando como antioxidantes e, portanto, salvaguardando as células do chamado stress oxidativo, isto é, do envelhecimento precoce.

Alguns estudos revelam que os fitatos parecem prevenir a osteoporose e promover um melhor controlo da glicémia. Também as lectinas têm sido estudadas, havendo evidência científica que aponta para um efeito anti-inflamatório.

Que alimentos devo demolhar?

  • Cereais integrais/grãos (arroz integral, grão de trigo, de centeio, de cevada, de aveia, trigo-sarraceno, quinoa, millet ou milho miúdo e sorgo)
  • leguminosas secas (feijões secos, lentilhas, grão de bico, ervilhas secas, favas secas)
  • Oleaginosas e sementes (amêndoas, avelãs, cajus, nozes, sementes de girassol, abobora)

 Nota:

Normalmente não demolho oleaginosas: nozes, amêndoas, cajus…

Como devo demolhar?

  1. Coloque o alimento submerso em água num recipiente de preferência de vidro ou de cerâmica, com o dobro da água, à temperatura ambiente. No caso das leguminosas que demoram mais tempo a demolhar é aconselhado trocar a água durante o processo.
  2. Depois de demolhar despreze a água, lave novamente os alimentos com água limpa e só depois os deve consumir ou iniciar o processo de cozedura.

O ideal é deixar a demolhar durante a noite e consumir ou cozinhar no dia seguinte.

Quando não demolhar?

Como referi anteriormente não costumo demolhar sementes oleaginosas, tais como nozes, amêndoas, cajus, entre outros.

Também os flocos de cereais, por exemplo flocos de aveia nem sempre demolho, até porque no processo de produção do floco já existiu uma cozedura prévia, que facilita a digestão. Já que, os flocos de aveia integral são o grão inteiro ao qual é retirada a casca, depois são cozidos a vapor e prensados em forma de floco.

Assim, se for para fazer uma papa de aveia para bebé, por vezes demolho uns 5 a 10 minutos até a aveia ensopar, o que até diminui a cozedura, se for para fazer umas panquecas de aveia ou adicionar por exemplo aveia a um iogurte, não tenho por hábito demolhar. O mesmo acontece com os cereais tufados (ou puff/pipoca) já que o seu processo de expansão é feito através de calor, pelo que já estarão parcialmente cozinhados.

Também quando faço granolas não demolho os cereais, pois vou perder o estaladiço tão desejado que os flocos oferecem.

Certas sementes como por exemplo, as de cânhamo não convém demolhar e podem ser consumidas cruas e inteiras. As sementes de linhaça não precisam de ser demolhadas desde que sejam trituradas no próprio momento de consumir. Já a chia precisa apenas de ser hidratada antes de consumir.

Ao demolharmos a chia ou linhaça conseguimos criar um líquido gelatinoso e pegajoso sendo esta uma das maneiras mais populares para substituir ovos em receitas vegetarianas ou para crianças alérgicas aos ovo, por exemplo.

Concluindo

Muitas vezes a sintomatologia de desconforto tais como gases associados à ingestão de feijão, inchaço do abdómen, cólicas ou mesmo dor estão associados ao consumo de grão e leguminosas, principalmente se ingeridos em quantidades elevadas. Demolhar e cozer irá não só aumentar a disponibilidade das vitaminas e dos sais minerais para que o nosso corpo os consiga absorver e usar nos diversos processos metabólicos, como diminuir toda esta sintomatologia associada.

Mais importante se torna quando estamos a falar de barriguinhas tão exigentes e sensíveis como as de bebés e crianças.

Bibliografia
  1. Gupta R. et al. Reduction of phytic acid and enhancement of bioavailable micronutrients in food grains. J Food Sci Technol. 2015 Feb; 52(2): 676–684
  2. Hina Vasishtha and Rajendra P. Srivastava. Effect of soaking and cooking on dietary fibre components of different type of chickpea genotypes. J Food Sci Technol. 2013 Jun; 50(3): 579–584.
  3. Lisbeth et al. Phytate: impact on environment and human nutrition. A challenge for molecular breeding* J Zhejiang Univ Sci B. 2008 Mar; 9(3): 165–191.

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