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Tudo o que precisa de saber para criar uma criança vegetariana, saudável e feliz!

A alimentação de uma criança vegetariana obriga a algum conhecimento por parte dos pais, profissionais de saúde e comunidade escolar que acompanha a criança. Hoje em dia, quando mais do que nunca se aponta a dieta vegetariana como uma das soluções mais viáveis para a saúde do nosso planeta e quando há cada vez uma maior percentagem de pessoas, de todas as idades, a adoptar este padrão alimentar, torna-se importante tecer algumas considerações e recomendações.

Uma alimentação saudável é fundamental para que uma criança vegetariana cresça e se desenvolva de acordo com todo o seu potencial genético. É igualmente importante no processo de aprendizagem que, sustenta o comportamento alimentar e, ditará as preferências futuras da criança, por certos alimentos.

A idade pediátrica é um período de grande vulnerabilidade a alterações do estado de nutrição. Erros alimentares nesta fase da vida poder-se-ão perpetuar na idade adulta, com consequências negativas a curto e longo prazo para a saúde.

A American Academy of Pediatrics, a Canadian Pediatric Society e a Academy of Nutrition and Dietetics consideram que, uma alimentação vegetariana bem planeada,  tanto ovolactovegetariana, como vegana, pode fornecer a energia e os nutrientes necessários para indivíduos de todas as idades, incluindo na gravidez, amamentação, infância e adolescência. 1-10

Mas vamos por partes. Afinal em que consiste uma dieta vegetariana? Bom, pode variar e assim optamos por classificar da seguinte forma:

Ovolactovegetariana – exclui carne e pescado, permite ovos e laticínios

Lactovegetariana – exclui carne, pescado e ovos, permite laticínios

Ovovegetariana – exclui carne, pescado e laticínios, permite ovos

Vegetariana estrita e vegana – exclui todos os alimentos de origem animal. 4

De salientar que  dietas excessivamente restritivas têm sido associadas ao risco aumentado de desnutrição, atraso de crescimento e até morte infantil, pelo que não são recomendadas de todo. Quanto mais restritiva a dieta e quanto mais nova a criança for, maior será o risco de défices nutricionais. 11

Que cuidados devo ter na alimentação de uma criança vegetariana?

Em primeiro lugar deve ter em atenção o aporte energético, ou seja as calorias que a criança consome diariamente, que deverão ser adequado à sua idade, através de uma alimentação completa, equilibrada e variada. O crescimento estaturo-ponderal (altura-peso) deve ser monitorizado com alguma periodicidade.

O planeamento alimentar cuidado é essencial para garantir a adequação nutricional da criança vegetariana.11

Não basta substituir uma fonte animal por um alimento em particular de origem vegetal. Por exemplo: leite por bebida vegetal e carne ou peixe por tofu. Os vários nutrientes têm que ser supridos a partir de uma enorme diversidade de alimentos. Alimentos como cereais, hortícolas, fruta, leguminosas, frutos gordos, sementes e os seus derivados deverão estar contemplados no dia alimentar do padrão vegetariano. A inclusão de alimentos energeticamente densos como leguminosas (feijão, lentilhas, grão de bico, favas, etc.) e seus derivados, frutos gordos (nozes, amêndoas, avelãs, etc.) e cremes de frutos gordos (manteiga de amendoim, creme de avelãs, etc.) poderá ser vantajosa.12

A que nutrientes devo dar especial atenção numa dieta vegetariana?

Deve ser dada particular atenção à ingestão proteica, de ácidos gordos essenciais, vitaminas B12, D, ferro, zinco, cálcio, iodo.

Como posso garantir uma ingestão proteica adequada para o meu filho?

Para que as necessidades proteicas sejam atingidas e ocorra uma normal retenção de azoto, é essencial que a ingestão energética seja adequada e exista variedade nos alimentos ingeridos, nomeadamente alimentos ricos em proteína:

  • Leguminosas, que pode por exemplo adicionar a sopas, fazer húmus, ou como prato principal.
  • Pseudocereais (quinoa, amaranto) e cereais integrais, sob a forma de grão ou farinhas.
  • Frutos gordos (nozes, amêndoa, amendoim) que podem ser dados também em creme. (ex: manteiga de amêndoa ou amendoim)
  • Laticínios (ou alternativas vegetais) e ovos, ou em alternativa vegan opte por tofu, seitan, tempeh, aveia ou leguminosas.
  • Misture levedura de cerveja ou levedura nutricional em sopas e batidos.
  • Consuma sementes com regularidade. Pode moer e transformar em farinha, adicionando-a a iogurte vegetais, batidos, sopas, papas…

A combinação de fontes proteicas de diferentes grupos de alimentos como frutos gordos, sementes, cereais e leguminosas deve ser encorajada. No entanto, a combinação dos mesmos na mesma refeição acredita-se não ser necessária, desde que a criança faça várias refeições ao longo do dia. Isto quer dizer que o modelo arroz com feijão, por exemplo, ou seja associar uma leguminosa a um cereal, embora vantajoso não é obrigatório.12

Como posso fazer relativamente à vitamina B12? Ela só existe praticamente em fontes animais…

De um modo geral, recomenda-se especial cuidado relativamente à vitaminaB12, dado que a sua ingestão no padrão alimentar vegetariano é habitualmente baixa e a sua deficiência poderá levar a disfunções hematológicas e neurológicas irreversíveis, pelo que a sua prevenção é de extrema importância.13

As crianças com padrão alimentar ovolactovegetariano poderão obter esta vitamina através dos laticínios e dos ovos. No entanto, não existem fontes relevantes desta vitamina naturalmente presentes em alimentos de origem vegetal. Algas, tempeh e levedura que não sejam fortificados não são fontes adequadas desta vitamina.14

Uma ingestão adequada de alimentos fortificados em vitamina B12 ou a utilização de suplementos é recomendada para crianças e adolescentes com padrões alimentares vegetarianos. Em alguns casos, os alimentos fortificados,  como por exemplo bebidas vegetais e cereais de pequeno-almoço, poderão não ser suficientes para fornecer as necessidades de vitamina B12, devendo-se recorrer à suplementação.

A suplementação em Vitamina D é necessária/recomendada?

Nem sempre a exposição solar é possível, suficiente ou aconselhada, sendo prudente que todas as crianças consumam diariamente alimentos fortificados com esta vitamina e, se necessário, deverá ser feita suplementação.15

Em Portugal, estudos recentes reportam carência e níveis muito baixos desta vitamina na população em geral, por isso, recomendo vivamente a sua suplementação, sobretudo nos meses de Inverno, em dietas vegetarianas e não só.

Dizem que o aporte de ferro é crítico na alimentação de uma criança vegetariana. Como garanto que o meu filho atinge as doses recomendadas deste mineral?

A biodisponibilidade deste mineral nos produtos de origem vegetal é menor e o aumento das suas necessidades na infância, especialmente durante períodos de crescimento rápido, obriga a que sejam adoptadas algumas medidas:

  • Consuma alimentos ricos em vitamina C (por exemplo, agrião, brócolos, espinafres, tomate, kiwi, laranja e morangos). O consumo de vitamina C conjuntamente com refeições ricas em ferro, promove a sua absorção. Por exemplo: massa integral com molho de tomate, flocos de cereais com sumo de laranja e salada de fruta com frutos gordos são combinações de alimentos que potenciam a absorção deste mineral.15
  • Tempere os alimentos com algumas gotas de sumo de limão ou laranja e recorra a especiarias e ervas aromáticas como salsa, coentros, tomilho, manjericão ou canela.
  • Evite chocolates e refrigerantes.
  • Use legumes com folha escura, leguminosas, sementes como sésamo, chia, linhaça ou cânhamo.
  • Inclua frutos secos na dieta: alperces ou damascos, sultanas, ameixas e figos.
  • Demolhe as leguminosas, tal diminui o seu conteúdo em fitatos, aumentado a absorção do ferro.

Estas mesmas recomendações são válidas para o Zinco!

Tenho medo que o meu filho não receba o cálcio que precisa, nesta fase tão crucial de desenvolvimento. Que aspectos devo ter em consideração?

Um aporte de cálcio adequado é particularmente importante durante a infância para o crescimento ósseo e para a prevenção de fraturas.16-19 É, assim, importante que todas as crianças e adolescentes, ovolactovegetarianos, veganos ou não vegetarianos cumpram as recomendações em termos deste mineral.

Apesar dos oxalatos, fitatos e fibras poderem diminuir a biodisponibilidade de cálcio, alguns estudos apontam que a absorção de cálcio de origem vegetal é excelente, sendo por vezes superior à do leite.20

Estudos sugerem que o cálcio de alimentos fortificados (ex. bebida de soja fortificada) é biodisponível.21 Assim, estes produtos poderão ser consumidos como forma de complementar o cálcio naturalmente presente nos alimentos.

O consumo de alimentos à base de soja, que parece ser razoavelmente comum numa criança vegetariana, poderá ser benéfico para a sua saúde óssea. Alguns estudos revelam que as isoflavonas ajudam a prevenir a degradação óssea e estimulam o seu crescimento.22

Se a alimentação da criança vegetariana não fornecer cálcio suficiente por estas duas vias, a suplementação deverá ser aconselhada. A toma de suplementos entre as refeições poderá reduzir o efeito das interações entre minerais na absorção. (por exemplo a interacção cálcio-ferro, um inibe a absorção do outro)

Assim, numa alimentação vegetariana, para assegurar um bom aporte de cálcio, deve consumir:

  • Hortícolas de cor verde escura (brócolos, couve galega, couve chinesa, couve frisada, espinafres, acelgas, grelos), quiabo, nabo, laticínios ou alternativas vegetais (bebida de soja, aveia, amêndoa ou arroz), soja e seus derivados (como o tofu), restantes leguminosas e flocos de cereais.
  • Para além disso, adicione canela ou farinha de alfarroba a batidos, papas ou sobremesas.
  • Use diariamente sementes, ervas aromáticas e frutos gordos ou oleaginosos (amêndoa, avelã, pistácios).

Relativamente ao Iodo, que alimentos são bons fornecedores?

Embora o défice de iodo seja mais prevalente em veganos, uma criança vegetariana que consuma sal iodado raramente apresenta défices em iodo.23

Fontes alimentares de iodo compatíveis com um regime alimentar vegetariano incluem os laticínios, algas e o sal iodado. As algas poderão ser bastante ricas em iodo e a sua quantidade poderá variar, pelo que cautela será necessária para não se ingerir iodo em excesso. Por este motivo, é aconselhado que as crianças  ingiram apenas pequenas quantidades de algas e, de preferência, se tenha conhecimento do seu teor em iodo. As algas nori, wakame e arame habitualmente apresentam um baixo teor em iodo, pelo que pequenas quantidades poderão ser consumidas com segurança.24 O consumo da alga hijiki não está recomendado.25

Quanto às gorduras, que preocupações deve ter relativamente aos ácidos gordos essenciais?

Os ácidos gordos polinsaturados, como os ómega 3 e 6 são considerados essenciais, pois não podem ser sintetizados pelos humanos.

Com o objetivo de adequar o fornecimento de ácidos gordos essenciais, uma criança vegetariana deve incluir algas e microalgas (fontes de EPA e DHA), de acordo com as precauções citadas na pergunta anterior. Deve ainda incluir alimentos ricos em ácido alfa-linolénico (ALA), tais como sementes e óleos de linhaça, chia e cânhamo, beldroegas, soja (e óleo de soja) e nozes. Deve ser dada preferência a óleos alimentares com menor quantidade de ácido linoleico, como o azeite. O abacate e os frutos oleaginosos devem ser consumidos. Os ácidos gordos trans, presentes frequentemente em produtos processados e óleos vegetais de baixa qualidade podem comprometer a síntese de ácidos gordos ómega 3 de cadeia longa, pelo que devem ser evitados. 26

A existência de fontes adequadas de ácidos gordos essenciais ómega 3 e ómega 6 é de extrema importância nas dietas de crianças e adolescentes com padrões alimentares vegetarianos e poderá ser necessária a sua suplementação, caso a ingestão seja insuficiente.

Ouvi dizer que o excesso de fibra era mau… é verdade?

A ingestão de fibra deve ser monitorizada já que em excesso poderá comprometer um aporte energético adequado e poderá interferir com a biodisponibilidade de alguns minerais essenciais.

A ingestão de fibra em crianças e adolescentes com padrões alimentares vegetarianos é superior à observada em não vegetarianos e podem, em alguns casos, exceder as recomendações. Embora não haja consenso em relação ao potencial malefício de um consumo excessivo de fibra em idade infantil, este consumo poderá levar a uma saciedade precoce e, consequentemente, a uma menor ingestão alimentar. Se o aporte energético for baixo, pode comprometer o aporte energético de macro e/ou micronutrientes e, em última instância, o crescimento da criança.12

Conclusões

A alimentação de uma criança vegetariana deve recorrer de forma mínima a alimentos processados e integrar, sempre que possível, a tradição alimentar portuguesa. Felizmente, o nosso país, apresenta condições climáticas ímpares e uma produção vegetal de elevada qualidade, com uma grande variedade sazonal, sendo os produtos de origem vegetal a base da nossa tradição gastronómica. Para além disso, uma alimentação vegetariana que se baseie em produtos minimamente processados, locais e da época, estará a contribuir não só para a saúde dos consumidores, mas também para as economias locais e para a proteção do meio ambiente.12

Nota: Alguns dos alimentos citados são importados mas numa criança vegetariana o recurso a estes alimentos é fundamental para suprir as suas necessidades. A população geral não precisa de os consumir, pela sua saúde e a do planeta! 😉

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Referências bibliográficas:
  1. Duyff, R. American Dietetic Association Complete Food & Nutrition Guide. John Wiley & Sons. (2006).
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  3. Reports, A. D. A. Position of the American Dietetic Association and Dietitians of Canada: Vegetarian diets. J. Am. Diet. Assoc. 103, 748–765 (2003).
  4. Cullum-Dugan, D. & Pawlak, R. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets. J Acad Nutr Diet 115, 801–810 (2015).
  5. Camp, K. & Trujillo, E. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets. J Acad Nutr Diet 114, 299–312 (2014).
  6. Craig, W. J. Nutrition concerns and health effects of vegetarian diets. Nutr. Clin. Pract. 25, 613–620 (2010).
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  8. Physicians committe for responsible medicine. Vegetarian Diets for Children: Right from the Start.
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  11. Van Winckel, M., Vande Velde, S., De Bruyne, R. & Van Biervliet, S. Clinical practice – Vegetarian infant and child nutrition. Eur. J. Pediatr. 170, 1489–1494 (2011).
  12. Alimentação vegetariana em idade escolar. Programa de Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral de Saúde. (2016).
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  16. Kalkwarf, H. J., Khoury, J. C. & Lanphear, B. P. Milk intake during childhood and adolescence, adult bone density, and osteoporotic fractures in US women. Am. J. Clin. Nutr. 77, 257–265 (2003).
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  22. Ishida, H. et al. Preventive effects of the plant isoflavones, daidzin and genistin, on bone loss in ovariectomized rats fed a calcium-deficient diet. Biol. Pharm. Bull. 21, 62–66 (1998).
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  25. European Commission. Arsenic in food.  Consultado em 08/01/2015. (2015).
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